Talvez você nunca tenha ouvido falar do Visakan Veerasamy, um dos profissionais de marketing mais criativos e interessantes que conheço.
Outro dia, numa conversa informal, perguntaram ao Visa (único apelido possível) qual é o principal gargalo do marketing, o fator que mais limita as chances de sucesso em um projeto que dependa do marketing para atingir seus objetivos.
Ele respondeu com uma única palavra: coragem.
Eu também estava na conversa, e pedi para ele elaborar. O Visa elaborou assim:
“Marketing bem feito depende de um posicionamento claro e ousado, o que requer coragem. Porque adotar um posicionamento claro e ousado significa que você será, por definição, diferente de todos os demais. E que você será ignorado, criticado ou sequer entendido por todas as pessoas que não são aquelas a quem você quer servir. Então, o seu trabalho como profissional de marketing é entender o que é verdadeiramente único, especial e intransferível sobre você, seu produto ou sua empresa, e executar em cima disso.”
Bom, na minha experiência, esse nem sempre é o principal gargalo do marketing. Mas gostamos da provocação do Visa, porque toca em um ponto que, esse sim, me é muito, muito caro: a ilusão dos recursos ilimitados.
Nenhum time de marketing, em qualquer que seja a empresa, tem a autonomia, o tempo, o orçamento e o foco, entre outros recursos, para fazer tudo o que gostaria (ou deveria) neste exato momento.
Ao contrário: o time de marketing quase sempre está sobrecarregado de atribuições, trabalhando com pouca autonomia e orçamento a conta-gotas, sob a pressão de fazer milagres no curto prazo.
Um dos sintomas disso é a dificuldade em priorizar canais e perfis de cliente, por exemplo. Entre fazer muitas coisas meia-boca ou poucas coisas bem feitas, a gente sabe que, para muitos gestores, a decisão nem sempre é fácil. Mas, para quem espera resultados, é obrigatória.
Outro sintoma, ainda mais grave, é o de querer ser tudo para todo mundo. Já perguntei a empresas claramente de nicho (como uma indústria de autopeças, uma de insumos para hospitais, e outra que criou um software de contabilidade, por exemplo), quem era o cliente ideal para cada uma delas. A resposta sai mais ou menos assim: "Queremos chegar em todo mundo, qualquer cliente serve, o importante é vender."
A esta altura eu não me surpreendo mais, mas a constatação (e a frustração) sempre bate: minha capacidade de ajudar a esses e outros clientes, como profissional de marketing, é limitada pela falta de clareza de propósito sobre quem a empresa é, a que clientes ela atende e que objetivos de negócio ela quer atingir, entre outras definições básicas.
Quer um exemplo de trabalho de marketing bem feito, nos termos em que o Visa elaborou? Basta pensar na última vez em que você bateu o olho em um serviço, um produto ou um software e teve aquela reação poderosa e imediata: “Isso aqui foi feito para mim, para gente como eu, é a minha cara. Quero saber mais. Onde é que eu assino?”.
Só é possível provocar esse tipo de reação por exclusão, ou seja, quando nós, profissionais de marketing, diante de recursos sempre limitados, tomamos a decisão consciente de servir a este ou aquele público, a um nicho, a um cliente específico.
Quanto mais específico, maior é o impacto. Porque aí já não é só o serviço, produto ou software que importa, e sim aquilo que ele faz pelo cliente, o problema que ele resolve, a identificação que ele cria em quem compra e usa.
Essa já clássica (para padrões da Internet) tirinha ilustra bem o ponto:
Em nenhum mercado isso é tão visível quanto no de tecnologia. Não por acaso, circula por aí há tempos o termo "opinionated software", ou software com opinião. (Sim, também estamos cansados de buzzwords, mas vamos que vamos.)
Em outras palavras, software que se recusa a ser tudo para todo mundo, que não foi criado para competir em funcionalidades, e sim na forma como ele é usado e por quem.
Este ótimo post do pessoal do UX Collective explica com riqueza de detalhes e exemplos como essa se tornou uma das principais estratégias de posicionamento e diferenciação adotadas por novos entrantes em um mercado ultra-competitivo.
Talvez o exemplo mais marcante dessa tendência seja o hey.com, um novíssimo serviço de email lançado esta semana pelos caras do Basecamp, aquela ferramenta bem conhecida de gestão de projetos.
Pense com a gente: qual foi a última vez em que alguém se importou com um serviço de email desde o lançamento do Gmail, há mais de uma década? Quem teria a audácia de dizer, em uma reunião de produto, que existe gente disposta a pagar — e bem — por isso em um ano como 2020?
Ao reiventar completamente a experiência de uso de uma ferramenta já banalizada como o email, e fazendo um barulho danado sem gastar um tostão em marketing, o exemplo do hey.com dá uma idéia do tamanho da oportunidade que existe para empresas que têm a coragem de servir com excelência a alguns, ao invés de tentar servir com mediocridade a todos.
Resumindo, a lição aqui é simples: a competição nunca foi maior. Seus recursos são limitados. Ao invés de dispersá-los, concentre-os.
Seja realista. Defina quem é o cliente que maior valor ou benefício pode extrair do seu produto ou serviço. Tenha a ousadia de reconhecer suas próprias limitações e abraçar a experimentação disciplinada para encontrar novas formas de servir esse cliente da melhor forma possível.